Saturday, December 31, 2005

 

Iogurte de Morango e Caracóis, Parte XIII. O Aniversário.

Convidei todos os que tinham partilhado os primeiros momentos, a mãe, o Zé e os dois membros da resistência que ainda estavam vivos dos que ajudaram na primeira hora.
O Zé não podia faltar a esta reunião sem que se levantassem grandes questões.

A rapariga perdera o corpo magro mas não perdera o rancor. Perdera também um olho em combate, o que lhe dava um ar estranho.
O Zé engordara e ficara careca.
Os outros continuavam a usar máscaras de esquiar.

Depois do bolo arranjei maneira de falar cinco minutos a sós com o Zé.
- «Que é que tens andado a fazer, pá?»
- «Nada de especial.»
- «Não? Então e o que se passou em Cacilhas ainda agora? Zé, sabemos que foste tu que puseste os caracóis bravos, não sabemos é como, mas tu vais dizer-me.»
- «É pá, ó Sousa, olha que eu não sei de nada, pá, deixa-me ir embora que a rapariga se nos vê aqui sozinhos fica desconfiada.»
- «Desconfiada de quê, Zé, de que me contes o que se passou?»
- «Não, pá, não é isso, é que, prontos pá, de que enfim, eu fale de mais porra.»
- «Fales de mais sobre quê Zé?»
- «Sabes que mais ó Sousa, vou embora, até logo.»
- «É pá não vás já que eu tenho uma prenda para ti.»
- «Não era preciso incomodares-te…»

Mostrei-lhe então um álbum de fotografias. - «São tuas?» Perguntei-lhe.
O homem passou de todas as cores para o preto e branco, aliás mais para o cinzento.

- «É pá não sou eu, não pode ser.»
- Então este aqui por baixo não é tu? E o outro não é uma avestruz, Zé? Ficas bem nas fotografias, olha aqui a tua carinha, que nítida.»
- «É pá isso é uma montagem, tens de acreditar em mim, Sousa.»
- «Então tenho que acreditar em ti ou na avestruz, pá?»

- «Essa gaja sempre me pareceu falsa.»
O Zé desfez-se. Desatou a chorar. Nem precisei de lhe dizer que a avestruz era um macho e um dos meus melhores agentes.

- «Ó Zé o que é que tu tens andado a fazer?»
- «Sabes que eu sempre gostei de animais…»
- «Não me faças perder tempo, quero lá saber da tua paixão pela cadelinha Laica, ou pensavas que eu não sabia, o que eu quero saber é o que é que tu andaste a fazer com o raio dos caracóis, pá, e quero saber já!»
- «É pá não posso, sabes o que a gaja me faz se me apanha, nem quero pensar nisso e já estou sozinho contigo há muito tempo, deixa-me ir.»
- «Zé, sabes que eu sou teu amigo e não ligo a estas coisas com as avestruzes e as cadelas, mas se calhar vou ter que mandar este álbum de família para a imprensa e tu disso não havia de gostar. Vais despejar o saco e vais já ou pensavas que eu te deixava ir para casa comer o resto do cianeto de potássio que sobrou do caracol que estava preso?»
- «Tu sabes disso? Foi a gaja, pá, foi a gaja…» - Chorava e soluçava, tirei-o de casa pela porta das traseiras, levei-o para uma sala onde estavam à espera dele.

Voltei para a festa.
- «O Zé?» - perguntou a mãe do menino.
- «Iogurte a mais, foi vomitar.»

Não acreditou mas também não entrou em pânico.

O Zé tinha criado um antídoto para a alteração dos orégãos.
Por outro lado tinha andado a fazer experiências com funcho, que é a comida preferida dos caracóis herbívoros e obtivera variedades que os punham loucos.
Ou seja provocava a catástrofe de novo.
Tinha sido por obediência cega à rapariga, que o tinha feito embeiçar-se por uma galinha modificada que trabalhava para ela.

Friday, December 30, 2005

 

Iogurte de Morango e Caracóis, Parte XII, A Traição

De repente deixou de fazer efeito.

Em Cacilhas um barco que se preparava para atravessar o Tejo foi assaltado por uma coluna de caracóis que aparentemente teriam sido pacificados.

O massacre fez reviver as horas do terror.
O que se passara?

Aqueles caracóis já eram de segunda geração de mansos, não havia explicação.
Finalmente capturados foram postos a tormentos e um deles preparava-se para narrar o que se tinha passado. No entanto umas folhas de funcho preparadas com cianeto de potássio fizeram-no calar para sempre.

Os outros morreram calados.

Quem lhe servira o cianeto?
Só mão humana o podia ter feito.
Sim, só por mão humana o caracol salvara o criminoso segredo!

Fui eu encarregado de investigar o que se passava.
Consultei os rapazes que me seguiam desde o conselho de guerra em que eu tinha feito vingar a ideia de agir por dentro dos caracóis.

Alguns deles toda a gente sabia que me acompanhavam desde essa altura. Outros estavam na estrutura da resistência que apesar de tudo ainda se mantinha. Estes últimos estavam permanentemente arriscados a serem mortos em combate pelos caracóis ou a serem descobertos pela resistência e entregues aos caracóis (era esse o castigo da resistência agora, entregava os prevaricadores ao inimigo para que os torturasse e comesse).

Por outro lado dentro da estrutura dos meus amigos havia tipos que eu sabia perfeitamente que a sua lealdade ia para a resistência e calculava que havia muitos mais.

Foi um rapaz da resistência que me falou de duas coisas: Uma que o guarda da prisão onde o caracol estava preso fizera parte da resistência até sair três anos antes com grande alarido.
Outra que o Zé desaparecera e embora se soubesse que estava vivo ninguém o encontrava.

Mandei seguir o guarda da prisão e não descobri nada. O homem parecia não ter contactos com ninguém.

E resolvi fazer uma festa de aniversário do menino.

 

Cais do Sodré, manhã de nevoeiro.

Por cima do Rio as nuvens.
Por cima das nuvens o Cristo Rei abre os braços em sinal de protecção.
Em baixo os barcos agradecidos flutuam.

As gaivotas pousadas na água batem as asas para afastar o nevoeiro dos cargueiros ferrugentos que se aprestam a sair para o Sol Nascente subindo o Rio.

Ruídos estranhos, maquinais, cadenciados como um carpinteiro gigantesco a martelar um andaime para a construção de uma torre até ao céu por cima do nevoeiro. A cidade a acordar.

Thursday, December 29, 2005

 

Iogurte de sabor a morango e caracóis XI. A Vingança.

Não sei com quem a mulher falou mas na noite seguinte uma nave espacial marciana aterrou no jardim zoológico.
Era um trenó puxado por quatro renas, uma azul, uma branca, outra encarnada e outra preta.

Lá dentro um marciano com o seu fato encarnado e branco ria para nós em gargalhadas amigas.

Falou comigo, falou com os da resistência.
Foi convocado conselho de guerra para que o menino foi chamado pois todos lhe reconheciam maturidade mais que suficiente e grande sabedoria.

Expusemos os nossos pontos de vista.

A mãe do menino entendia que a grande razão da nossa luta era matar caracóis, fazê-los pagar pelo que nos tinham feito. Vingar o sangue derramado, o do Virgílio, o de todos.
Eu entendia que a razão da nossa luta era devolver a dignidade de rainha da criação à espécie humana.
Que meios tinha eu para isso, perguntava-me ela e eu embatocava.
Pois até lá mantinha-se o que estava, a emboscada mortífera, o assassinato, a guerra aberta.

Foi o menino que salvou o dia:
- «De que é que eles gostam?»
- «De nós.»
- «Com quê?»
- «Com orégãos!»

É começar a tratar dos orégãos.
Se a actual situação foi criada por uma alteração genética precipitada feita por um cozinheiro louco na estrutura dos caracóis há que alterar a situação por aí mesmo.

Foi o marciano que criou a fórmula que permitiu intervir nos orégãos e fazer com que os caracóis que comessem as plantas assim alteradas se transformassem em mansos gastrópodes.

Foi formado um comité, que começou a tratar os orégãos e a substituir os naturais pelos modificados.

À medida que os caracóis iam temperando os humanos com os orégãos modificados iam ficando mansos, e os seus filhos ficavam mansos e cruzavam-se com os bravos e os filhos eram mansos.

Em poucos meses as nossas condições de vida alteravam-se completamente.
Pena era que o tratamento dos caracóis se fizesse necessariamente à custa de vidas humanas.

Esta situação durou meses de calma. Havia já regiões da Europa declaradas livres de caracóis, em Portugal estes já eram comidos novamente como nos tempos da normalidade, acompanhados de cerveja que já era possível produzir. Outras mulheres tinham aparecido e até famílias inteiras que se tinham conseguido manter escondidas.

Tuesday, December 27, 2005

 

Iogurte com sabor a morango e caracóis X. Parto seguido de O Menino e de Os Marcianos.

O momento do parto chegava.

A rapariga perdeu as águas e começou a sentir dores.

Sentia também frio.

Os da resistência conseguiram encontrar umas peles de animais que puseram a aquecer a jaula dos gorilas. O Zé assistiu ao parto.

A criança nasceu. Nasceu perfeita e era um menino.

Ficámos todos de roda dele a admirá-lo.

Mal teve forças para isso a rapariga juntou-se à resistência.

Aliás acabou por juntar os trapinhos com o Virgílio e desataram aos tiros por tudo o que era caracol.
Com o tempo veio a ser ela a chefe da resistência quando o Virgílio acabou preso pelos caracóis, e depois de sumariamente julgado esquartejado, temperado com orégãos e comido.

O menino entretanto dava mostras de grande inteligência.
Fui eu quem ficou encarregado da sua educação.
Mal aprendeu a ler começou a trabalhar comigo nos planos para contactar os marcianos.
Aprendemos a fazer iogurte de morango sem ser preciso recorrer aos supermercados, entretanto esgotados.
Os da resistência pelo menos mostravam-nos o caminho do orgulho de ser humano.

Tinha o menino dez anos quando nos sentamos a meditar sobre as propriedades do iogurte de sabor a morango, concentrámo-nos sobre as emanações do seu poder não sei já qual de nós conseguiu estabelecer os planos para a construção de um telemóvel interplanetário.

Foi uma tarefa épica a recolha dos materiais para a sua construção. Mal lançámos a ideia vieram de toda a parte gentes variadas com materiais, alguns deles necessários, outros não mas que agradecíamos na mesma.

Afinal a humanidade conseguia revelar ainda as características de solidariedade que durante milénios a tinha feito rainha da criação.

Uma noite conseguimos estabelecer a ligação com Marte.
Era eu que estava ao telefone. Do outro lado atendeu-me uma voz feminina.
Falava marciano e eu não, apercebi-me pela inflexão da voz dela que se preparava para desligar o telefone, como se eu lhe estivesse a vender a participação num concurso de televisão ou a vender aspiradores ou coisa assim. Chamei o menino:
- «Moço, anda cá que temos ligação!»
- «Está lá, é de Marte?» Disse ele.
A mulher do outro lado desta vez percebeu, a ele entendia-o, talvez por ele ser um menino inocente.

Era uma dona de casa que tinha ido buscar o filho à escola e estava a ficar sem bateria.
Rapidamente o menino contou-lhe as nossas vicissitudes, os horrores da caracolização.

Prometeu agir.

Monday, December 26, 2005

 

Metamorfoses: O Pai Natal

O Pai Natal do mundo subaquático desloca-se num trenó puxado por focas que são animais domésticos.


O Pai Natal acordou estremunhado e afastou um peixe que lhe cobria os olhos.

Que bom, pensou, já é Natal outra vez.
A hora de distribuir os presentes.
Antevejo com prazer anunciado os rostozinhos das sardinhas quando souberem o que tenho para lhes oferecer.
Ou os dos bacalhaus.

O Pai Natal desde que se mudara para as profundezas andava muito mais desperto e alegre.
Fizera-lhe bem a mudança de mares.

Mandou os polvos aparelhar o trenó, verificou pessoalmente pela quinta vez o carregamento dos presentes, não fosse oferecer uns paninhos de cozinha aos tubarões ou tinteiros aos chocos.

Subiu para o trenó e mandou as focas avançar.

Por esses mares fora vogou a distribuir felicidade.

Vogou a noite inteira. Corria sempre um passo à frente da aurora e quando esta raiava já os peixinhos encontravam os seus presentes no sapatinho.

Faltava-lhe só uma morada, a de um polvo pequeno que morava numa rocha junto a uma praia.

Era longe da casa do Pai Natal, nos mares do Sul, mas onde houvesse um pequeno ser com sonhos e esperanças o Pai Natal chegava.

As focas embaladas pelo mar sereno, o Pai Natal feliz e cansado por ter já distribuído tanta felicidade acabou por adormecer.

Uma praia em frente, as focas não se entenderam sobre para que lado ir, as da esquerda opinavam a direita, as da direita, com excepção da de trás opinavam a esquerda, entrada fulgurante pela areia adentro de trenó escangalhado e Pai Natal voador sem saber muito bem o que lhe tinha acontecido.

No princípio a sua preocupação foi cuspir a areia que lhe tinha entrado para a boca.
Em breve porém as suas preocupações tornaram-se menos materiais.
Como é que eu vou entregar o presente ao polvinho?

Passou um caranguejo e o Pai Natal perguntou-lhe se conhecia o polvinho.
Mas o caranguejo era um animal demasiado soberbo para acreditar no Pai Natal, não respondeu.

Viu voar uma gaivota. Estou com sorte, pensou, as gaivotas sabem tudo e esta vai com certeza dizer-me a morada do polvinho.

Mas a gaivota não lhe respondeu. Nem uns maçaricos que andavam perto.

A foca mestra começava a sair do torpor que a invadira com a amaragem forçada na praia.
«É que o Pai Natal só consegue falar com as criaturas do Mar, as gaivotas não são do Mar, só lá vão comer!»
- «Mas então como é que eu faço?»

O Pai Natal entrou dentro de água à procura de uma solução. Uma alforreca ondulou na sua direcção:
«Bom dia, Pai Natal, posso ajudá-lo?»
- «A morada de uns polvos numa rocha perto da praia.»
- «Sei bem onde fica, mas eu não chego tão fundo, vou pedir ajuda à garoupa.»

E assim fez, pediu à garoupa que acompanhasse o Pai Natal até ao buraco dos polvos.

A garoupa e o Pai Natal mergulharam e foram até lá.
O Pai Natal borbulhou à porta a chamar o polvinho, já que era o último ia ter o privilégio de o contactar pessoalmente.

O polvinho veio à porta, o seu olhar feliz foi a última coisa que o Pai Natal viu antes de a garoupa o devorar.

Ficou especado no lugar, as algas batiam-lhe suavemente nas pernas, a mãe do polvo olhava com ar incrédulo para o sítio onde momentos antes estava o filho.

A garoupa arrotou e foi-se embora, já tinha ganho o dia.

Voltou para a praia. As focas já recompostas espreguiçavam-se ao Sol na praia, inconscientes do drama que se passara.

Suspirou. Felizmente só iria ser Natal outra vez daí a um ano.

 

E de repente um raio de Sol no meu telemóvel

O Pai Natal do mundo subaquático desloca-se num trenó puxado por focas que são animais domésticos.

Os animais domésticos são as aves raras deste Verão quente.

O Pai Natal relevou-se ser afinal um criador de borboletas com o terrível vício de comer bichos-da-seda, trajando de vermelho para caçar essas frágeis criaturas que assim vestido o confundem com a Alice no País das Maravilhas e a sua velha mania de consumir quilómetros de carris de coca!
Criaturas pobres de espírito a quem nunca chegam os presentes de Natal e que fomentam o consumo das drogas e defendem a Alice
.

Claro que a bela Alice já explicou diversas vezes à comunidade dos bichos-da-seda quem é o seu principal inimigo mas eles não acreditam nela… concluo que andam todos enganados e é por isso mesmo que aumenta o consumo das drogas, porque ninguém vê um palmo à frente dos olhos!

Alice? Talvez uma rapariga que entrevi no meio do fumo do meu cigarro. Mas eu não fumo. Talvez uma sombra de si mesma enrolada em seda, em colunas de fogo?

Os varredores de sonhos escondem a memória dos nossos sonhos como se não os tivéssemos vivido, como se não os tivéssemos sonhado, como se a vida fosse apenas uma recordação de um deus esquecido.

Os anjos cobrem a cidade com o seu hálito fresco e o adejar distraído das suas asas negras.
De manhã cedo apenas as cinzas claras denunciam a sua ausência.

E de repente um raio de Sol no meu telemóvel.

(Natureza Morta tem o prazer de anunciar a preciosa contribuição de um novo colaborador deste Blog, de seu nome próprio em itálico)

 

Iogurte de sabor a morango e caracóis. IX Baptismo de Fogo

O Virgílio sugeriu uma ida ao supermercado onde eu encontrara o iogurte com morango a fim de ir buscar materiais, incluindo leite para bebés.

Distribuiu armas a todos (menos a mim) e fomos num grupo de cinco ao supermercado.

Sempre fora da estrada para evitar maus encontros.
Sem incidentes na ida na volta foi um desastre.
Os caracóis andavam desconfiados e montaram uma emboscada junto de uma descida. Desse modo se corrêssemos íamos ter com eles, se voltássemos para trás teríamos de fugir lentamente e eles apanhavam-nos.

Sugeri que largássemos as trouxas e fugíssemos para os lados, mas os da resistência que nem pensar. Agarraram-se ao terreno e fizeram fogo.
Os azuis (eram caracoletas azuis) ripostaram. E eu desarmado, o tiroteio durou bem uns cinco minutos que pareceram horas.
No fim a estratégia da resistência ganhou a batalha. As caracoletas estavam mortas (excepto uma que foi preciso acabá-la à facada) mas do nosso lado só restávamos três, eu e dois combatentes.
Deixámos os cadáveres no local e fugimos antes que mais patrulhas viessem ver o que se passava.

Ganháramos a batalha mas não podíamos ganhar muitas mais a este preço. Se era esta a estratégia da resistência estava inevitavelmente condenada a perder. Havia sempre mais caracóis do que podíamos matar e não havia assim tantos humanos que se pudessem dispensar.

Essa divergência de entendimento levou-me a nunca ter integrado a resistência.

No entanto esse dia fora um dia de vitória militar. Trouxéramos as vitualhas necessárias e desbaratáramos uma coluna de caracoletas.
Merecia uma festa.

E desatámos a comer iogurtes de sabor a morango como se fossem passar do prazo de validade (na realidade já tinham passado, mas quem se interessa por essas coisas?).

Daí a pouco estávamos ligeiramente alterados.
O Virgílio começou por tirar a máscara de neve para mostrar outra que trazia por baixo.
Esta trazia desenhos de volutas em cor de laranja, rosa shocking e azul-turquesa.
Outros faziam o pino.
O Zé, o veterinário, despejava uma caixa de fósforos e punha-se a contá-los e a guardá-los novamente na caixa, um a um. Dava-lhe invariavelmente um número diferente de cada vez que contava.

Tínhamo-nos comportado como guerreiros e assumíamos o gosto cruel do sangue inimigo. Pena que as metáforas não possam ser pintadas de vermelho mas os caracóis na realidade não sangram. Só metaforicamente.

Mas sabia bem por uma vez passar de vítima da caça a caçador.

Sunday, December 25, 2005

 

Iogurte com sabor a Morango e Caracóis VIII. A Resistência.

Depois da instalação resolvi dar uma volta de exploração.

Na entrada para o esgoto ao pé da aldeia dos macacos estava preso um pedaço de saco de plástico amarelo.
No dia anterior era azul.
Sobrevive-se no mundo dos caracóis por se estar atento.
Fugi dali e voltei para casa.

Abstive-me de comunicar o facto à minha companheira de abrigo.
Não sabia o que pensar.
Podia ser perigoso encontrar desconhecidos.
Será que os caracóis começavam a usar truques humanos?
Será que os caracóis tinham domesticado seres humanos e os tinham colocado ao seu serviço?

De qualquer modo tinha de arriscar. Nem eu nem a rapariga percebíamos nada de partos e claramente íamos precisar de ajuda.

No dia seguinte o plástico era encarnado.

Aproximei-me da tampa do esgoto com cuidado. Olhei à volta: Não se via corninhos de caracol nas imediações.

Levantei a tampa do esgoto e entrei no escuro.
Desci uma escada e de repente acendeu-se uma luz.
Um letreiro em néon piscava: «Bem-vindo à resistência humana anti-caracol» e ao lado uma tabuleta mal pintada, tirada de alguma tasca antecatastrófica rezava sarcástica: «Hoje há caracóis».

Senti-me levantado pelos pés por um cabo e fiquei de cabeça para baixo.
Um tipo com uma máscara de esqui preta na cara e um facalhão nas mãos chegou ao pé de mim e perguntou-me:
- «Estás pronto para te submeteres a provas?»
- «Estou» - respondi.
Soltou-me e fez-me sentar a uma mesa onde colocou uma imperial e um pires de caracóis.
- «Come!».
- Era um teste de fidelidade, se comesse caracóis era porque ainda era humano e era digno de confiança.

Eram ao natural, cozidos só com orégãos. Foi com saudade daquele gostinho, foi com raiva ao pensar no que eles tinham feito à minha espécie, à minha família, aos meus amigos. Ataquei os caracóis com garra e comi tudo.
A imperial deixei-a estar até que o membro da resistência ma apontou com o dedo à espera que eu cumprisse a minha obrigação.
Estava morta. Nada que se comparasse a uma boa dose de iogurte de sabor a morango, mas não me parecia que houvesse ali.

O da máscara atou-me as mãos atrás das costas e conduziu-me com gentileza para outra sala, onde estava mais meia dúzia de mascarados.
«O que é que te levou a vir morar para a cidade e a trazer uma mulher para a aldeia dos macacos?» - perguntou-me o que estava sentado no meio.

Lá contei a minha história, sem omitir nada, nem gravidez nem massacre à espera dos marcianos, nada.

«OK – disse-me ele – vamos tratar disso.»
«Aqui o Zé era veterinário antes da caracolização, há de ter assistido a alguns partos.»
O Zé interveio para dizer que era basicamente partos de animais, mas que se dava um jeito.

Virgílio era como se chamava o chefe.

Levei-o à Aldeia dos Macacos para que a rapariga o conhecesse e ficasse à vontade com ele no caso de me acontecer alguma coisa.

Saturday, December 24, 2005

 

Iogurte de Sabor a Morango e Caracóis VII de volta à vida urbana

As cidades tinham sido ermadas.
Não havia pessoas nelas tanto quanto os passantes soubessem.

Os caracóis já não as vigiavam.

Era uma boa altura para regressar à cidade e ver o que lá havia. Avisei a rapariga e fui.
De noite, com muito cuidado, sempre fora das estradas, vi ao longe duas patrulhas das caracoletas.
Vinham desarmadas, confiantes, pela estrada.

Entrei na cidade e comecei a procurar.
Quase tudo tinha sido queimado pelos caracóis. As casas de habitação tinham ardido.
Lojas, centros comerciais, tudo tinha sido devastado e na maior parte pilhado sem método.
Cruzei-me com dois grupos de caracóis que tiravam fotografias descontraidamente.
Restos de esqueletos humanos cuspidos amontoavam-se de vez em quando nas esquinas como se fossem espinhas de peixe na beira do prato.

Acabei por encontrar um sítio relativamente limpo.
No centro do jardim zoológico uma casa que tinha sido habitada por animais, talvez gorilas. As condições não eram óptimas, mas havia um tecto e paredes e água perto.
Limpei tudo o melhor que podia.

Fiz o trajecto inverso e mais uma vez apenas vi uma coluna de caracoletas azuis ao longe.

No supermercado fiz as compras necessárias, enchi duas mochilas com comida e roupa. Uma maior para mim e outra mais pequena para a rapariga que estava a deixar de estar em condições de andar a fazer grandes esforços.

Segui o mesmo caminho de volta à cidade com a rapariga.
Não gostou nada da ideia de ficar na jaula dos gorilas.
- «O meu filho vai nascer na aldeia dos macacos?»
- «É o melhor que se arranja.» Disse-lhe eu.
Contrariada mas ficou.

Friday, December 23, 2005

 

Um Conto de Natal

Aquele que desfaz o caos e introduz a ordem não pode ser filho de nenhum homem porque ele precede os homens.
Por isso ele tem de ser pai de si próprio.
Como Osíris.

E salvo por uma mulher.
Porque as mulheres também precedem os homens.

E as deusas reinaram antes dos deuses e a Lua antes do Sol.

E dançavam nos bosques conclamando os seres da Terra.
Mas estes eram cruéis.

E os homens queixaram-se ao Sol e pediram-lhe que exortasse os filhos das deusas e da Terra a deixarem-nos viver em paz.

Mas os seres da Terra não aceitaram. Disseram que os homens iriam construir um mundo de sofrimento, sem respeito pelas coisas boas. Que os homens ao destruir as coisas más iriam também destruir as coisas boas.

E o Sol chamou as partes à sua sala de audiências e disse aos homens que expusessem o seu caso.
Os homens argumentaram com a beleza das suas obras de arte.
Tocaram Bach para o Sol, construíram torres que desafiavam as montanhas em altura, pintaram a beleza feminina e a luxúria e a santidade e a tristeza. Mostraram os animais que criaram, os pomares, as cidades.

E disse depois aos seres da Terra que alegassem as suas razões.
Mas estes só puderam mostrar frutos silvestres e cogumelos.

Ainda assim o Sol parecia mostrar preferência pelos presentes dos filhos da Terra.

E era noite e a audiência foi suspensa para o Sol descansar.

Os homens enviaram então uma mulher muito bela que dançou para o Sol e que o encantou e que o adormeceu e enquanto o Sol dormia trocou os cogumelos dos seres da Terra por outros, temperados com maus saberes.
O Sol acordou com fome e provou os cogumelos e sentiu-se mal.

A sentença não podia ser outra.
Decidiu pelos homens.

Expulsou os filhos das deusas da face do planeta e eles foram obrigados a refugiar-se nas entranhas da Terra sua mãe onde por vezes fazem grandes fogos e saem em torrentes com o fogo para invadir a Terra agora dos homens.

Mas as deusas vingaram-se do Sol.

Casaram com ele mas prepararam desde logo com os vestidos de noiva a sua mortalha.
E foi em Dezembro que o mataram e escolheram um novo Sol que as acompanha na sua viagem pelo céu.
E fazem assim todos os anos em Dezembro.

E ao matar o Sol as deusas castigaram os homens.
Assim os homens nunca têm a certeza de que as deusas voltem a casar com outro Sol e todos os anos têm de esperar pelo solstício para saberem se lhes é permitido continuar a viver ou se morrem com ele.

Todos os anos. Até que não haja mais sóis.

 

Iogurte com Morango e Caracóis VI. Sobreviver.

Sem bigode, com umas roupas novas que encontrei na secção de roupa de senhora e lavadinha não parecia tão grotesca como de manhã.

«Sentes-te melhor?»

«É esta raiva cá dentro. Mas estou melhor, as caracoletas fizeram-nos sofrer, pagaram o que me fizeram.»

«Como é que vais fazer com o bebé?»

«Vou tê-lo, não sei é como.»

O problema agora continuava a ser o da sobrevivência.
Se já era difícil nas condições em que eu vivia, debaixo dos amieiros, junto ao rio, com uma mulher grávida e posteriormente com um bebé o local era impossível.
O supermercado podia servir por uns tempos, mas mais tarde ou mais cedo o nosso esconderijo seria descoberto.

Enquanto reflectia deixei a rapariga no supermercado e voltei para o meu refúgio habitual. Não queria que algum passante ficasse intrigado pela minha ausência e se pusesse a investigar.

Tratava-se de descobrir um refúgio mais abrigado, um lugar mais fixo, onde uma criança pudesse nascer, procurar cuidados médicos e manter o sigilo sobre a existência de uma mulher no planeta e da possibilidade de a espécie humana continuar a propagar-se.

Andei nisto cerca de uma semana, de noite voltava por momentos ao supermercado e verificava se estava tudo bem. Aparentemente estava.

Havia uma certa revolta na rapariga pelas condições em que engravidara e o seu estado de fraqueza devido à fome não era dos melhores, mas como se costuma dizer, a própria gravidez curava esses males, os do corpo e os da alma.

Thursday, December 22, 2005

 

Iogurte com Morango e Caracóis,V Nada É O Que Parece

Eu e o tipo da voz aflautada mantivemo-nos quietos até as vermos partir.

Já com o Sol alto pude enfim olhá-lo. Trazia um bigode pintado e por entre as roupas mal amanhadas conseguia perceber-se que era uma mulher.

Uma mulher! Pensava que já nem havia. Por isso aquela sensação esquisita quando me encostava a ele junto do murete da sebe.

- «Vais abusar de mim?» -Perguntou-me.
- «Claro que não, tem calma.»
- «A última vez que encontrei esse bando aí abusaram de mim, por isso é que estava escondida atrás da sebe, para ver se ficavam tão cheios de iogurte que conseguisse matar algum, mas a ti não te reconheço dessa altura. Juntaste-te ao gang depois?»

Disse isto tudo e começou a vomitar.

- «Tu estás é grávida! Como é possível neste mundo? Uma mulher e ainda por cima grávida!»
«No mundo do horror da revolta dos caracóis!»

De facto olhando-se com atenção até se lhe notava uma barriguinha.

«Estás com fome?» – perguntei-lhe mais tarde.

Que sim, que estava, disseram-me os olhos dela. Levei-a para dentro do supermercado.
«Come o que te apetecer, eu vou fechar a entrada a ver se não temos surpresas.»

Desatou a comer e depois adormeceu.
Fui à secção de artigos de desporto e trouxe um saco cama com que a cobri.

Cheguei a preocupar-me com a despesa que estava a dar aos donos do supermercado, mas nessa altura sorri.

Uma criança. A humanidade ainda tem força suficiente para gerar uma criança. Afinal ainda há um futuro na nossa conjugação.

Acordou horas mais tarde, outra vez com fome.
Comeu e foi tomar um banho nas antigas instalações dos empregados do supermercado.

Wednesday, December 21, 2005

 

Iogurte de sabor a morango e caracóis, IV. O Gajo da Voz Aflautada.

Foi um pequeno ruído que me alertou, um quase nada, como uma brisa a agitar as folhas da sebe, mas não havia vento e não se sobrevive tanto tempo como eu no reino dos caracóis sem que se esteja permanentemente atento a esse tipo de pormenores.

Fui ver e estava um gajo agachado a olhar para nós com ar esgazeado.

Parecia drogado a olhar para o pessoal que continuava a dançar à volta da fogueira desta vez creio que a celebrar não já a próxima vinda dos marcianos mas a vitória no campeonato nacional de futebol. Talvez um pouco de iogurte a mais.

Agarrei-o pelo cachaço e perguntei-lhe o que estava ali a fazer. Respondeu-me numa voz aflautada que tinha perdido o último comboio para casa e ia ficar por ali a ver se apanhava o primeiro da manhã.

Achei a explicação razoável. E perguntei-lhe se não queria juntar-se a nós entretanto. Agradeceu mas declinou e no momento em que declinou um reflexo azul no meio da sebe, a uns vinte metros do sítio onde estávamos, trouxe-me de novo à realidade.

Caracoletas azuis.

Tinham quase cercado o parque de estacionamento, os meus novos amigos estavam feitos e se não me escondia de imediato ia ter a mesma sorte.

Deitei-me para o chão e arrastei o tipo da voz aflautada comigo, mandei-o calar-se e empurrei-o para um murete que demarcava a sebe, mantendo-me junto a ele de modo a fazer o menor volume possível.

As caracoletas foram rápidas a actuar. Cercaram-nos e apanharam-nos. A um ou outro até o deixaram ter a ilusão de que iria conseguir escapar mas agarravam-no logo e juntavam-no ao resto deles.

Foi uma noite de pesadelo.
Confirmava-se que as caracoletas gostavam de grelhar as pessoas em lume brando.
Os gritos de dor prolongaram-se até de madrugada, altura em que as caracoletas, de barriga cheia se foram embora, deixando atrás de si um cheiro a carne queimada e a desespero.

Tuesday, December 20, 2005

 

Iogurte de Morango e Caracóis III Reencontros e Celebrações

Os iogurtes tinham dono, e quem quer que fossem os 40 ladrões não iam com certeza ficar satisfeitos por me ver ali a empanturrar com os sonhos deles como um vulgar ladrão de sonhos que apanha as pessoas a dormir e as assalta tirando-lhes os sonhos cor-de-rosa e deixando-lhes os pesadelos.

Fui à casa de banho e dispus-me a abandonar o local.

Foi esse atraso higiénico que me fez dar de caras à saída com os que tinham encontrado o supermercado antes de mim.

Tentei fugir mas fui rapidamente agarrado, cheio como estava de iogurte.

Tremia de medo. Ultimamente os passantes falavam até de canibalismo, como se não bastassem já os caracóis, raios os partissem.

Fui levado ao chefe, um tipo de barbas que se parecia com o Sr. José o dono da mercearia da minha rua de quando eu tinha uma rua e ele tinha uma mercearia e uma rua que era a mesma.

Sr. Sousa, disse-me ele, também sobreviveu! Dê-me um abraço. A ele escorriam-lhe lágrimas de prazer por encontrar um vizinho vivo, a mim de alívio por ser mesmo o Sr. José apesar das barbas e por estar a salvo, e em lágrimas continuámos à medida que íamos contando um ao outro o modo como tínhamos perdido os respectivos entes queridos.

Para celebrar resolvemos comer mais umas caixas de iogurte com sabor a morango.

Ao fim de meia dúzia eu, ele e os amigos dele, que eram sete, estávamos a celebrar a próxima vinda dos marcianos que haviam de nos livrar da praga dos caracóis e que iam chegar em belíssimos trenós puxados por renas mecânicas, uma azul, uma amarela, outra encarnada e outra de uma cor que nos escapava por não fazer parte do arco-íris normal mas do arco-íris de Marte que vai um pouco acima mas que se situa à esquerda da parte nobre do violeta cru.

Para indicar um campo de aterragem aos marcianos resolvemos acender uma fogueira grande no meio do parque de estacionamento do supermercado e dançar à volta dela.

Estávamos nessa quando decidi ir observar a vista de conjunto para junto da sebe que rodeava o parque de estacionamento.

Monday, December 19, 2005

 

Dos Caracóis e do Iogurte com Sabor a Morango

II. A Cornucópia.

Foi então que reparei que havia um buraco bem tapado com uma fina parede de tijolos encostados uns aos outros que conduzia ao interior do edifício.

Entrei na escuridão. Acendi o isqueiro e vi-me como Ali Baba na caverna dos ladrões, o edifício era um supermercado.

Estava sistematicamente pilhado.
Por sistematicamente quero dizer que quem quer que o tivesse estado a pilhar o fazia com cuidado para não estragar as coisas, com cuidado para guardar para o futuro.

Finalmente, sinais de outros humanos perto de mim, não apenas passantes mas residentes (quem descobre uma mina de latas de feijão não passa para outro local, muda-se para as imediações).

Vieram-me as lágrimas aos olhos, acendi uma vela celebratória que estava numa prateleira e abri duas latas de atum de conserva e uma garrafa de cerveja.

Estava morna. Fui à procura de gelo.
Por um milagre qualquer podia ser que algum dos frigoríficos ainda funcionasse.
E havia um que funcionava.
Devia ser accionado por acumuladores que ainda não se tinham apagado.

Era de facto milagre.
Tanto mais que quando acendi outra vela e mirei o conteúdo do frigorífico quase que entrei em transe.

Caixas, montes de caixas, caixotes, quilos de iogurte com sabor a morango.

Esqueci logo o atum e a cerveja e comi pelo menos uma dúzia de iogurtes. Que saudade que eu tinha daquele sabor, daquele cheiro.

Calculo que tenha estado três dias a comer iogurte com sabor a morango pelo número de caixas que a certa altura encontrei junto de mim.
Custou-me muito acordar daquele sonho, como nos tempos em que a humanidade dominava o planeta e em que havia horários de trabalho e a gente se tinha deitado tarde e tinha de acordar para ir trabalhar e não apetecia nada, mas tinha de ser.

Sunday, December 18, 2005

 

Dos caracóis e do iogurte com sabor a morango. I. Definições.

De todas as espécies de caracóis que tomaram conta da Terra os piores são sem dúvida as caracoletas.

Gostam de nos lavar antes de nos comer, passam-nos diversas vezes por banhos de água salgada e obrigam-nos a bebê-la até enlouquecermos. Diz-se que gostam do sabor a sal nos nossos corpos.
Há até relatos que dizem que gostam de nos grelhar em lume brando. Vivos.

Estava à procura de comida junto de um edifício em ruínas quando os sensores me alertaram para a proximidade de caracoletas azuis.

As azuis são uma espécie de grupos de batedores. Farejam-nos e avisam as trupes de caça para nos apanharem. Depois intervêm os caracóis vermelhos e amarelos, esses são os que organizam a caça propriamente dita.
E cada vez estão mais eficazes, à medida que os humanos rareiam e se tornam um acepipe cada vez mais difícil de encontrar.

Mal recebi o alerta procurei um esconderijo.
Felizmente havia uma folha de zinco encostada a uma parede do edifício que deixava um pequeno espaço onde me consegui encaixar.
Cheirava mal e estava cheio de insectos que me infernizaram a vida durante todo o tempo em que fui obrigado a permanecer no local.

Melhor assim que servir de pequeno-almoço aos caracóis.

A certa altura as pernas doíam-me tanto de estarem encolhidas que tentei esticá-las um bocadinho.
Foi só um bocadinho mas a chapa de zinco caiu com estrondo obrigando-me a procurar outro poiso.

Friday, December 16, 2005

 

O Polidor de Lentes

Desgarrado dos seus o polidor de lentes enfrenta a desgraça.
Condenado às penas da solidão pela culpa do seu pensamento a dor da solidão não consegue superar a crença na liberdade.

Esconde a luz do seu ser.
Esconde-a sob a forma de letras escritas em livros de capas falsas.
Homens de todo o mundo bebem da sua fonte de saber.
São todos seus irmãos naturais pois os filhos do mesmo pai e da mesma mãe foram proibidos de falar com ele.

É o pó do vidro que o mata, insidiosamente infiltrado dentro de si, como se inconscientemente a sociedade o tivesse condenado à morte pelo veneno, destino apesar de tudo comum em certos casos, e obedecesse a um desígnio maior que ela própria.

Thursday, December 15, 2005

 

Explosão de graffitis

Acordar, abrir a janela e deixar uma explosão de graffitis entrar pelos nossos olhos adentro, deixá-la tomar conta de nós e tornar-nos vermelhos, azuis, rosa shocking, cor de graffiti, cor de luz intensa que vem do nascer do Sol, que vem das letrinhas presas à parede pela imaginação do escritor.

Deixar as letrinhas perder o significado aparente e mergulhá-las no coração como uma sopa de letras endoidecida em arco-íris numa explosão de sentidos dispostos em harmonia.

Acordar e continuar a dormir para poder sonhar com o nascer do Sol e os graffitis, as letras e as cores, os significados e os amores secretos e aprender no sonho a verdade das coisas.

 

O desenhador de graffitis

O Ilustrador de graffitis escreveu na parede “amo-te...” e o nome do amor a que se dirigia foi redesenhado tantas vezes que só os autores dos desenhos o conhecem. Ou talvez nem esses, porque foram escolhidos para escrever nomes de que eles próprios não têm conhecimento, nomes de um amor secreto.

Um amor secreto, escrito em letras de fogo no coração, escrito na água do rio em pequenas ondas concêntricas, escrito no pó do solo para que o vento o apague.

Um amor secreto de quem só a água do rio sabe pronunciar o nome porque o nome é secreto e o nome do amor é secreto porque se o nome do amor não for secreto não é amor, é palavra, é letrinhas que se juntam a brincar despreocupadas no carrossel do jardim em frente ao rio.

E o nome do amor é secreto porque não foi desenhado pelo ilustrador de graffitis mas pelo desenhador que o ilustrou a ele e o escreveu em letrinhas que o ilustrador não sabe ler.

Monday, December 12, 2005

 

Explosão Solar

A explosão solar é o começo.

Quente, muito quente. A consciência agita-se e procura acordar de modo a poder fugir do calor.
Este abranda à medida que acordo com um sorriso.
Estou a suar ainda mas o calor da explosão tornou-se um suave amornar da minha preguiça.

Fome, talvez.

À medida que o Universo se expande vou vendo o que me falta, a água do chuveiro a percorrer-me o corpo, o cheiro do café fresco e matinal, os planetas que se formam e rodeiam o Sol numa curiosidade distante, as laranjas a crescer nos pomares, as cores a formar-se, do violeta ao encarnado gritam que querem ser vistas e alegrar os tempos que ainda estão em formação.

Continua a explodir mas agora mais devagar.

Morning has broken, like the first morning.
E vejo os pássaros e os outros animais, o pavão exibe o seu arco solar, os peixes olham através da água e pedem-me que os acompanhe.
A Deusa passa e atrás dela as flores e as ervas crescem.
Deixa um rasto de perfume que inebria e leva com ele os corações dos homens.
Ardem de um fogo com forma de espada.
Apagam o desejo na água fria do mar em que mergulham à procura dos tesouros dos navios naufragados.

E acalma-se.

Deita-se a repousar, os deuses foram servidos, estão contentes, caem benesses sobre os homens.
Não mais a angústia, a opressão.
Até outro dia.

Saturday, December 10, 2005

 

Construtor de Mundos, Lágrimas e Perdões

No calor do momento Manuel Ribeiro não tivera tempo para reflectir sobre a atitude da mulher.

Quando voltou para dentro esta já se recompusera: «Como é que ficou a pobre da mulherzinha? É sempre assim quase todas as noites. Não lhe dão descanso, coitada.»

Ainda estava indignado, «brutamontes do caraças».
A mulher por sua vez dizia-lhe que alguém tinha que fazer alguma coisa, aquilo não podia continuar.

Há no entanto coisas que ficam cá dentro sem que se note que ficaram mas que lentamente produzem efeitos.

Logo que a indignação passou, que a testosterona voltou aos níveis normais, que conseguiu conciliar o sono, lá para o dia seguinte, a primeira reacção da mulher preocupou-o.
Não é que fosse uma grande preocupação, um abcesso insuportável, era, mais assim como que uma moínha na alma, uma coisa que estava presente e não estava, uma pergunta mais que outra coisa:
Onde estavam aqueles olhos que se cruzaram com os seus nas escadas?

Nos meses seguintes Manuel Ribeiro andou entretido com o assunto da vizinha.

Fizera um inimigo, o vizinho marido, começara a ver a sua própria mulher com outros olhos, mas não tinha tempo para pensar em tudo.
Preocupava-o a situação da mulherzinha. Tinham-na convencido a desistir da queixa contra o marido, ela voltara para casa e cada dia parecia mais acabrunhada.

Um dia matou-se. Enforcou-se de uma trave do tecto do anexo da casa com fio de cobre de electricidade.

Manuel Ribeiro sentiu-se culpado. - «Vês?» - dizia-lhe a mulher - «Se não te tens metido a mulherzinha ainda estava viva.»
De lado ficava o pormenor de que a vizinha já não estava viva há muito tempo, ainda ninguém tinha era dado por isso.

Esta atitude feriu-o profundamente.
Tentou protestar, mas do outro lado surgiu pela primeira vez desde que se tinham casado o insulto soez.

Assim «parvo!», «poltrão!» já lhe saíra, mas «filho da puta», assim a direito…

Saiu de casa a correr e foi beber umas cervejas ao café.

Quando voltou a mulher pediu-lhe amargamente desculpa, que não estava em si, que ele era um grande homem, que tinha tido toda a razão, mas que com tudo o que lhe vinha acontecendo ultimamente estava fora de si.
E chorava.
E o que é que um homem pode fazer quando uma mulher chora?

Perdoou-lhe claro.

Mas entre perdoar e esquecer há uma ponte. Uma ponte de pedra, bem sólida. Fica lá mesmo com as piores cheias.

No fundo Manuel gostava dela, apesar dos seus defeitos estava melhor com ela que sem ela.
E ela gostava dele, às vezes era um pouco desbocada, mas a situação iria com certeza melhorar quando deixasse de estar tão tensa.

Thursday, December 08, 2005

 

O Construtor de Mundos, desta vez o golfinho e os mares do Sul

Uma mulher, de manhã, sozinha em casa, a limpar os bibelots. Tinha muito empenho neles. A vida fora-lhe sempre madrasta e não melhorara nos últimos tempos.

Mesmo nesse dia o marido antes de ir para o trabalho lhe tivera de chamar a atenção mais uma vez para o facto de não saber cozinhar.
Nem o pequeno-almoço era capaz de fazer com jeito, tentara, desesperara, o marido empurrou-a para o lado e acabara por sair de casa só com uma chávena de café.
A filha olhava-a de esguelha, com ar de gozo.
Não sabia porquê mas a cumplicidade daqueles dois sempre a magoara.

Movida de uma réstia de esperança foi tentar abrir a torneira da água da casa de banho. Não deitava.

Já ontem o marido fechara a água no contador, fechara depois a caixa do contador com um cadeado e levara a chave consigo.

Chegado a casa à noite começou a implicar consigo por ser uma porca que nem tomava banho.

Já não se lembrava do tempo em que lhe custava ser tratada assim.
Esperara sempre que mudasse. Esperara que mudasse quando a filha nascera, mas não mudara.
Com o tempo também a filha passara a desprezá-la. Mandava nela, fazia má cara e não lhe perdoava qualquer erro.

O que lhe valia era as suas coisinhas, os bonequinhos de loiça que coleccionava com carinho, que limpava com ternura, a ternura que lhe devolviam ao serem tão queridos nas suas roupinhas de loiça, nas suas corezinhas fofas.

Os duendes, os golfinhos a saltar em mares quentes para onde a sua imaginação fugia e onde era considerada uma pessoa normal e as pessoas gostavam dela.
Bom dia Senhora D. Graça, diziam-lhe as vizinhas quando ia à praça comprar flores, Bom dia dizia-lhes ela com um sorriso. E voltava para a sua casinha limpa onde vivia com as suas loucinhas.

E sorria para o golfinho de loiça que por sua vez sorria para si.

Embalava-os. Faziam-na sonhar e perdoavam-lhe os defeitos.
Há pessoas que nascem assim, para sofrer.

O dia acabou por passar.
Perto do fim da tarde começou a ficar apreensiva.
Como viria ele hoje?
Maldisposto, a implicar consigo mal chegasse?

Ou indiferente, deixando-a mais um bocadinho com os seus sonhos?

Às vezes batia-lhe, mas não era costume.

Não entrou particularmente zangado.
Olhou para ela como se olhasse para mais uma peça da mobília daquelas de que não se gosta particularmente.

Teve medo de lhe perguntar como lhe correra o dia. Pelos visto teria corrido menos mal.

Pouco depois chegou a filha e foi dar um beijo ao pai.

Como o marido entretanto abrira a água foi tratar do jantar.

Foi no fim do jantar precisamente.
Que o arroz estava empapado.
Mesmo que não dissesse nada atirou-lhe um: «Que é que estás para aí a rosnar?»

Acalmou, mas de seguida foi a filha. Se a camisa branca já estava lavada.

Lavada como, não tinha água…

Pois que fosse à fonte, que se desenrascasse, não era a filha a trabalhar o dia todo para a sustentar, ali inútil, era pedir muito lavar ao menos uma camisa?

«Ó minha filha, não me fales assim que eu sou tua mãe»
- «Mãe?» - interveio ele - «Mãe?» - insistiu - «É isso que tu chamas ser mãe, a rapariga chega a casa de trabalhar e ainda tem de tratar das tarefas domésticas e a tal “mãe” o dia todo na boa-vai-ela? Nem uma camisa para a pobre da rapariga poder sair à noite lhe lava?»
«Realmente não prestas mesmo.»

Pediu desculpa a ver se as coisas acalmavam, mas qual o quê.

Desta vez foi a filha: «Estou farta de ti!»
Que estava farta da sua maneira de ser, de se armar em sonsa, de se armar em vítima, sempre às queixinhas. - «Arre, que já chateia!»
«Pois não queres saber das minhas coisas? Vais ver o que faço às tuas!»
Pegou primeiro num duende. Olhou para ele, de seguida para a mãe com um ar irónico e disse: - «Gostas deste?»
Empurrou-o para o chão.
Durante o tempo da queda a Graça ainda pensou que o boneco pudesse não partir, que uma mão milagrosa o amparasse e o mantivesse intacto.
Sem sorte, o impacto do bonequinho na tijoleira matou-o em três pedaços.
Pai e filha riram.
O Mundo começou a ficar enevoado, uma tontura fê-la manter-se no mesmo local.
A filha pegou noutro.
- «Não, o golfinho não! Esse não!»

O olhar da filha disse-lhe tudo, o respeito das vizinhas «Bom dia Senhora D. Graça», os mares quentes.
Viu-o cair na mesma direcção do duende, viu partir o seu amigo golfinho entre as risadas da filha e do marido.

Deu um grito e começou a fugir para fora de casa.

O marido e a filha correram a barrar-lhe o caminho, a força do desespero venceu-os, saiu para a rua, gritava, as vizinhas já habituadas aos gritos não ligaram, como era possível os seus bonequinhos, tão fofos, como era possível alguém matá-los daquela maneira, gritava em arranques de choro interrompidos por sonoras bofetadas do marido.

Foi o Manuel Ribeiro que interveio.
Ouviu os gritos, olhou pela janela, chamou a Polícia.
O marido queria que a mulher voltasse a entrar em casa, a filha puxava-a pelos cabelos para dentro.
Que não, que não ia, que queria ficar na rua, que não os queria mais ver.

Manuel Ribeiro acorreu.

Nessa altura já o marido lhe dizia que ela era uma tontinha, que só queriam o bem dela, que não devia incomodar os vizinhos daquela maneira, que gostava muito dela e que não a queria ver assim despenteada e descomposta na rua, parecia mal, «Vê lá bem a figura em que estás, vá lá não sejas teimosa, entra por favor.»

A mulher bem lhe dizia que não se metesse naquilo, que eram coisas entre marido e mulher, que não tinha nada a haver com aquilo e o que é que os outros vizinhos iam pensar dele, ainda iam dizer que estava interessado na mulherzinha, ela se apanha é porque fez alguma.

Mesmo assim foi lá.

Pegou na mulher por um braço e levou-a para casa.

O marido ainda tentou reagir mas ele encheu o peito de ar e fulminou-o com um olhar assassino - «Seu filho da puta, ponha-se a mexer, já chamei a polícia e agora é com eles.»

Wednesday, December 07, 2005

 

O construtor de momentos, mais histórias de animais, desta vez a Tainha

O sapal de Castro Marim, ou o sapal do Rio Coura, em Caminha, são bons exemplos mas a Ria Formosa é o caso mais claro.

Senta-se o cidadão num lugar privilegiado, o cidadão privilegiado, claro, que os outros não têm tempo, e observa.
Os caranguejos passeiam na areia da baixa-mar com aquele à vontade lateral que os caracteriza.
As garças, tudo o que é gaivota, panurgos, tufos de ervas cor de lama, lama cor de lama, lama por todos os lados.
Suave lama que tudo cobre com o seu assentamento igualitário.

Mas uma das características da maré baixa é que tende com o tempo a transformar-se em maré-alta.
É o peso da Lua.

Manuel Ribeiro passou da maré baixa da vida à maré-alta em poucas páginas. Foi tocado por sentimentos que o moveram por dentro e por fora.

Agora sente-se o leitor no Jardim do Pescador, em Olhão, e olhe para o leito da Ria.
Pouco a pouco as ilhotas que via vão sendo submersas, os apanhadores de amêijoas desaparecem, os caranguejos são substituídos por tainhas e a lama que tudo cobre é por sua vez coberta por água por sua vez cor de lama.

É um processo que demora horas, corre sempre, do nascer ao pôr-do-sol, e que não é aconselhável observar no Verão por causa do calor.

Nunca sentiu acontecer-lhe isto na vida?
A sua lamazinha ser envolta em água?
Os hábitos que tinha?
Nada que valesse a pena guardar.
Os seus amigos?
Silenciosamente afastam-se.

Um dia chega a casa e descobre que já não mora na sua casa, mora na casa de outra pessoa e que não está a viver a sua vida, está a viver a dela.

A lama, os caranguejos?
Afogaram-se.
As garças, as gaivotas?
Voaram.

Quando é que se dá por ela?
Talvez quando se começa a jogar cartas com os amigos dela e não com os nossos, talvez quando se chega a casa um dia e o televisor foi substituído por outro diferente, quando se percebe que não se pode ouvir música alto para não incomodar, talvez mais tarde ainda.

Mas nessa altura as tainhas flutuam já sobre a liberdade, alimentando-se dos restos dela.

 

O construtor de momentos, mais histórias de animais, desta vez a Tainha

O sapal de Castro Marim, ou o sapal do Rio Coura, em Caminha, são bons exemplos mas a Ria Formosa é o caso mais claro.

Senta-se o cidadão num lugar privilegiado, o cidadão privilegiado, claro, que os outr

Frivolidad por millones!
Generamos cosas, todo el tiempo
Con la finalidad propia de la falta de producción personal

Mirá vos?
Tiene que ver conmigo y contigo
siempre contigo
Otra vez, una y otra vez en mi cabeza esa tonta idea
de que nos cambiamos los disfraces

Maravillate de tanta pavada
Frivolidad cien por mil
Una y otra vez en mi cabeza
Otra vez vos.

Let´s play hide and sick!
los disfraces

Maravillate de tanta pavada
Frivolidad cien por mil
Una y otra vez en mi cabeza
Otra vez vos.

Let´s play hide and sick!

Saturday, December 03, 2005

 

O Construtor de Momentos, a Estratégia da Aranha

E assim vai a aranha tecendo a teia.

E são tão bonitas as teias de aranha.
De manhã quando o orvalho as cobre de rendas, quando reflectimos na leveza e no engenho com que foram tecidas pela aranha fiadeira.

A teia de aranha é suporte pela sua beleza das metáforas mais arrojadas.

E mirem como é bela a morte da mosca apanhada na teia da aranha, amortalhada de pronto no suave fio que a deixa presa gentil mas firmemente, sugada dos seus líquidos supérfluos e embalsamada para sustento e continuação da aranha.

Como a mosca se debate com leveza, como se agita, como se prende a ela própria cada vez mais no seu destino inexorável numa espécie de dança em rodopios elegantes.

É que as histórias contadas com teias de aranha normalmente acabam por andar em volta do facto de a bela teia ser um instrumento de caça e morte.

Compare-se por exemplo a teia da aranha ao vestido da noiva, ao véu da noiva tão celebrado por poetas de todos os feitios (bom feitio, mau feitio e às vezes).

O casamento é a festa da mulher, a festa que celebra o facto de a inocente mosca em forma de noivo se preparar sorridente para ser devorada no topo de um bolo foleiro, em andares, por um espécimen coroado de uma teia que é o véu de noiva.

E as mulheres sorriem cúmplices umas para as outras enquanto os homens se resignam à sua sorte conscientes de que há certos conhecimentos que não são transmissíveis, apenas podem ser vividos.

E há algo mais hábil e poético que a forma feminina de construir um Lar Doce Lar?

Friday, December 02, 2005

 

O Construtor de Momentos, a esgrima

O olhar é uma forma de energia tão rápida como a luz, o namoro não.

É por princípio uma coisa mais lenta, uma infusão de hortelã feita em passos tímidos, uma espécie de bailado em forma de esgrima com florete.

A infusão de hortelã pode ser para os enamorados o que o whiskey é para os homens de negócios, a chave da compreensão mútua.

Depois do olhar a meio da escada um encontro casual levou a outro menos casual.
Manuel recuperava das mazelas, as feridas cicatrizavam e pela primeira vez em muito tempo a vida deixava de ser uma sucessão de dias à espera que algo acontecesse e passava a ser uma sucessão de dias em que aconteciam coisas.

E foram acontecendo.

Ela por sua vez ora avançava ora recuava.
Jogava no sim, não, talvez feminino que mói as cabeças dos homens.

E ele cada vez mais esperançado.
À medida que ia entrando no jogo mais este lhe apetecia e a certa altura já não tinha, nem podia ter, a certeza de estar a ser seduzido pelo jogo ou pela jogadora.

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