Thursday, March 15, 2007

 

História breve do meu tio que se perdeu na América e cujo achamento se comemora no primeiro dia de Março de cada ano.

Pelo menos lá em casa, que é o sítio onde ele era mais conhecido, posto que a bem dizer não era tio de muita gente e nem muita gente deu pela sua falta, deu por que tinha ido para a América ou deu por que tinha voltado.
Mas foi, fez falta e voltou, como acontece com quase toda a gente, vai, faz falta e volta, normalmente por esta ordem.
Nem toda a gente volta, mas também é certo que para compensar nem toda a gente faz falta.
E há os que não fazem falta mas voltam, mas esse não é o caso do meu tio que foi para a América e voltou.
Fazia falta.

É que ele era o animador do espírito da família, que sem ele se quedou fechado no armário junto da despensa e raramente saía para assombrar as sala dos retratos.
Uma família é como uma casa assombrada, precisa sempre de um tio que foi para a América e que se lembra com saudade, passados vinte anos, trinta, permanece tema de conversa.
O porquê. Foi fazer pela vida, chateou-se com a mulher? Fugia aos credores, gostava mais do clima de lá? Foi só de visita e esqueceu-se do caminho de volta?
O porquê da volta. Correu-lhe mal a vida por lá? Estava farto daquilo? Sabia que estava para morrer e decidiu vir para cá? Assim sempre tem quem lhe ponha flores na campa no dia dois de Novembro. E lá, não teria?
Estará rico?
Faltava-lhe talvez o espírito de família, ao tio.
Mal chegou foi a correr ao armário junto da despensa dar-lhe um abraço.
Notava-se que já não se viam há muito.
O tio emocionado deixou correr uma lágrima pelo canto do olho e disse-me que eu estava parecido com o que era em criança.
Se calhar era mais magro.
Eu. Ele não. Estava quase na mesma. Mais cabelo menos cabelo.

Sunday, March 11, 2007

 

Dia Internacional da Mulher

Chegar a casa, vestir os calções e calçar as sapatilhas, descer a escada a correr com uma coisa em mente. Chegar à pista e correr.

Chegar à pista e correr. com uma coisa em mente, sentir o suor a deslizar pelo nariz, pelo peito, a pingar, sentir nas costas o vento, na frente cruzar-me com os outros que correm, o pôr do sol cada vez mais crepúsculo já sem sombras que distingam os pedestres dos ciclistas. Mas manter um pensamento fixo.

Manter um pensamento fixo ao chegar a casa e regular a temperatura da água do banho, senti-la lavar a memórias do vento a do suor, do crepúsculo e dos ciclistas. Não me esquecer.

Não me esquecer enquanto me sacudo na toalha e leio o jornal para deixar secar o corpo enquanto calculo o tempo que falta.

Calculo o tempo que falta e visto-me novamente direito ao restaurante do costume, aquele onde vou jantar quando quero ver televisão. O do Sr. Carapinha, o que trago na mente desde manhã.

Aquele onde vou ver televisão quando quero ver televisão e eu não tenho televisão em casa nem quero, só quero ver televisão quando dá jogos do Benfica e vou ao restaurante do Sr. Carapinha para ver os jogos do Benfica que dá na televisão porque no restaurante do Sr. Carapinha tem dois televisores, um ligado ao cabo e outro à antena de modo que se ouve os comentadores desportivos a sublinhar a beleza das jogadas com um desfazamento temporal de dois segundos sendo o da antena um pouco mais lesto que o seu irmão gémeo da cabo a dar os parabéns pelos golos, e estava a pensar já nos olhos colados no écran e na caneca de cerveja colada nos lábios . Desde manhã que no écran da mente se me anteolhava o écran em que um Simão pequenino, assim do tamanho de caber no écran de um televisor, ia marcar golos saudados por gritos de alegria de tamanho assim tão grande como o estádio da Luz. E a cerveja fresquinha a escorregar.

E chegar lá e não haver lugar, as mesas tomadas de assalto por uma tribo selvática de mulheres comemorativas do dia internacional da mulher.

Ainda por cima o Benfica perdeu.

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