Thursday, March 13, 2008

 

Regresso aos lugares mágicos

Ali, naquele mesmo local agora conhecido como 2ª Ponte do Feijó.
Foi lá.

Foi já há muito tempo que foi.
Daqueles tempos que escapam entre os dedos da memória porque nem os nossos pais, nem os avós, nem ninguém que ainda esteja vivo visitou esses tempos.
A não ser em sonhos.

Mas sabemos.
Daquela mesma maneira que sabemos tantas coisas que já sabíamos antes de nos terem dito. Ou pelo menos desconfiávamos que era assim e só nos recordaram ao contar-nos pela primeira vez.

Porque é que os lugares mágicos são mágicos?
Quem é que os escolhe?
Não sei.

Mas ali, onde agora é a segunda ponte do Feijó, ocorreram coisas graves.
Só os carvalhos souberam na altura, para além dos intervenientes.
Porque para além delas só os carvalhos tinham autorização para lá estar.

À volta de um lume brando, na noite escura, as nuvens escondem a cena dos olhares indiscretos das estrelas.
A Lua escondeu-se por sua vez por detrás das nuvens. Assim pode sempre dizer que não sabia.

As mulheres.
Essas não escondem nada.
Nem as roupas nem a escuridão as defendem da nudez que as invade.

Dançam à volta do lume brando.
À volta do caldeirão que adormece morno em cima do fogo.

Que coisas horríveis se passam lá dentro? Que animais nado-mortos, que monstros se cozinham?
Naquela sopa não há lugar para legumes.

Quem as denunciou?
Quem se escondia nas árvores e desejou os seus corpos dançantes?
Quem temeu a sua nudez?
Quem correu a contar aos lobos o que passava por ente os braços das árvores?

E a alcateia, cheia de medo, com sacholas, com paus, mata as mulheres que não fogem a tempo.
O caldeirão entornado, o líquido espalha-se pelo chão.

Coisas estranhas brotam da terra, coisas más.
Como se fossem raízes a subir da terra para o ar agarram-se a tudo o que podem.
Aos pés dos perseguidores que não se conseguem libertar dos abraços e ali morrem naquele lugar de estranhos poderes.
Mais tarde as suas caveiras brancas hão de brilhar baixinho na luz dos dias de nevoeiro.
Porque só nesses dias se podem ver.

Passaram dias, muitos dias, os lobos deixaram de uivar.
O asfalto cobriu a vergonha do que se passou naquela noite.
Mas as raízes da memória não são fáceis de arrancar.

 

Março

As andorinhas chegaram, o governo decretou três dias de Lua Cheia em todo o território nacional.

 

Agradecimento

À autoridade que manda nas estradas por ter criado uma espécie de parques de observação da natureza nas estradas nacionais.
Há um para os lados de Vendas Novas, em Silveiras.
Um anúncio estrategicamente colocado avisa-nos que não podemos ir a mais de setenta quilómetros por hora (se formos de carro, claro, a pé é difícil) a fim de podermos ver a paisagem.
De outro modo pisamos uma placa oculta no pavimento que faz accionar o sinal vermelho na árvore das luzes e ficamos a olhar para o asfalto escuro à espera que o fruto de baixo fique verde.

É a planície, são as oliveiras, as casas brancas que nos querem manter presos ali para as admirarmos. É uma armadilha sabiamente colocada.
Duas rolas, daquela bravas, africanas, encostam os bicos uma da outra numa dança de equilíbrio em cima de um fio de electricidade.

Se calhar estão lá à espera de que alguém caia na armadilha.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?