Monday, April 07, 2008

 

Primavera

As amêndoas foram cobertas de açúcar e postas num ninho escondido com cuidado num canto da casa, debaixo de um contador de mogno.

Com o Equinócio da Primavera partiram-se ao meio e de dentro delas saíram a correr pequenos jingles.

Uns trauteavam operadoras de telefones móveis. Outros juntavam-se em coros que cantavam em desafinação pequenas peças de Natal.

Percorreram a casa sempre a cantar. Um anúncio particularmente bem concebido foi recebido com honras no lava-loiças. Era o jingle do anúncio de um detergente que lava tudo mais branco, até as peças azuis.

Um fio de água saudou-o com salpicos de alegria.
Ao ping-ping do salpico juntava-se agora uma espécie de tralalá muito limpo.

Das amêndoas continuavam a sair jingles. Os últimos racionavam a notas de música que lhes restavam como se se tratasse de água no deserto.

Cedo virá o Natal e todos eles serão usados nas lojas, nos televisores, nos rádios dos carros. Esgotar-se-ão a voar em círculos em volta de homens gordos vestidos de encarnado verdadeiro e de barbas postiças e brancas até caírem para o lado e serem varridos.

Até ao Equinócio futuro, em que novamente as amêndoas se hão de partir e libertar os jingles em notitas paralisadas de contentamento.

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